2021-05-31

Mário André prepara A Implosão!

Carinhosamente apelidado entre os seus colegas do colectivo Tágide de “mais velho novo autor da BD portuguesa,” Mário André, autor-editor do selo Kustom Rats, irá lançar-se como autor de novela gráfica este ano, após testar a sua criatividade narrativa em diversos fanzines. Reconhecido pelo seu percurso como enfermeiro da Selecção Nacional de Futebol e também no Sporting Club de Portugal, o Mário retomou a paixão pela BD na sua 3ª idade, demonstrando um ímpeto criativo invejável e uma sólida missão interventiva. Nesta primeira entrevista no blog Tágide, vamos procurar conhecer melhor o autor e o seu novo projecto.


Tágide: Mário, o que te motivou a dedicar a tua aposentação a um modo artístico como a Banda Desenhada, tão afastado da tua antiga profissão?
Mário André:
O meu gosto pela BD surge em sequência de viver perto de alguém que era uma coleccionadora compulsiva de BD. Por volta dos anos 60/70, tinha acesso a todas as edições de banda desenhada distribuídas pela Agência Portuguesa de Revistas. Pautavam-se, na altura, títulos como o Mundo de Aventuras, Cavaleiro Andante, Condor, Falcão e tantas outras. Era fácil para mim levar para casa uma “braçada” de revistas, que devorava rapidamente, voltando à carga logo de seguida. Juntando a isto o gosto pelo desenho e algum “jeito,” que me vinha de meu pai, isto foi deixando em mim o “bichinho.”

O Curso de Enfermagem virou o meu foco e a opção pelo exercício da profissão no contexto do Desporto ainda complicou mais as coisas. Era um tempo de total dedicação física e mental, não havendo espaço para outros interesses. Mas o gosto estava lá.
Veio a aposentação, e o tempo agora sobrava, mas faltavam os saberes, os suportes técnicos. É aqui que surgem as formações na Nexarte, através de Pedro Moura, no Museu Bordalo Pinheiro, através de Penim Loureiro, e na Câmara Municipal do Montijo, com o 1º curso Iniciação à Arte Sequencial, coordenado pela Susana Resende. A partir daí deu-se o início a mais uma aventura: ouvir críticas, receber conselhos, enfim, procurar melhorar. Era o início da minha terapêutica ocupacional na aposentação.


T: O que mais te atrai e desagrada na banda desenhada?
MA:
Atrai-me a possibilidade de criar algo que tenha vida e não somente letras. Algo que se pareça com cenas vivas e que leve as pessoas a pensar e a compreender os conteúdos de uma forma dinâmica, em que o uso da imagem surge como um factor facilitador e de atracção para essa compreensão. Exaspera-me que a Nona Arte seja considerada uma área menor no contexto das Artes, e especificamente da Literatura. Desencanta-me que artistas de grande qualidade não consigam viver da sua produção, estando somente esse lugar reservado a uma minoria (ainda bem, apesar de tudo). Exaspera-me que nos programas escolares pouca ou nenhuma importância se dê à BD e ao seu papel no processo de aprendizagem, não só na sua área específica mas na transversalidade que a mesma pode proporcionar.

As coisas irão melhorar. Cada vez surgem mais autores e obras de melhor qualidade. O futuro parece não meter medo mas a evolução é muito lenta.



T: Para além de teres frequentado formações e criado trabalhos curtos em BD, também optaste pelo percurso de editor independente; porquê?
MA:
Em relação à edição de fanzines, foi o corolário lógico de quem vai criando coisas que, contendo uma mensagem, seria uma pena não ser transmitida (na minha perspectiva). Daí até à edição do Doce Êmese Canibal, o primeiro dos fanzines que publiquei, foi um passo. Mas foi também um grito de Liberdade!… Liberdade de expressão e de pensamento na sua forma mais pura. Foi a materialização daquilo porque tinha lutado sempre. Nesse sentido, também acho importante que os programas escolares devam incluir a criação de fanzines de múltiplas temáticas. Seria um extraordinário estímulo à aprendizagem dos jovens, incluindo a da própria cidadania.


T: À ocupação de autor/editor independente, também te aventuras em concursos. São um factor de motivação?
MA:
No começo foram os fanzines, mas logo de seguida vieram os concursos e o primeiro foi o de Lausanne. Ao participar em concursos, os resultados foram sempre questões secundárias, mas funcionaram sempre como um desafio com metas claras: o tema, os prazos, o número de pranchas, etc. Foi isso que me ajudou a disciplinar a criação e a manter a sua continuidade. Foi uma experiência muito importante, nas qual gosto participar sempre que possível, tendo sido recompensado com duas menções honrosas até agora.



T: Depois desta introdução na comunidade de BD, desafiaste-te a criar uma novela gráfica. Porquê escolheres este tema, da banda desenhada de intervenção (política)?
MA:
Entendo que toda a produção literária não deve ser uma coisa inócua. Não deve ser “conversa mole.” Tem de transmitir algo, tem de transmitir valores, tem de ser uma mais-valia. Todos os temas são possíveis, desde o amor à política, do mais onírico ao mais real, e até a própria arte com que o autor construiu o seu livro. No meu caso, optei pela intervenção política, fruto das minhas vivências culturais e pessoais. O Estado Novo marcou a minha família e a mim, atropelou as Liberdades de todos nós; tempos de miséria, exploração, ditadura, que nos deixou as suas marcas. Entendo que transmitir a mensagem para que vivamos num mundo mais livre e mais puro, com relações de maior respeito entre as pessoas, é um dever e uma obrigação. Foi este o caminho que escolhi.

Antes de 1974, pintava paredes e lançava panfletos. Hoje, pinto papel e lanço fanzines!... Não falo ainda em lançar livros, mas espero lá chegar.


T: Porque motivo te interessou em específico adaptar este ensaio, “A Implosão!”, de Nuno Júdice?
MA:
O primeiro contacto com o livro foi a atracção pela capa, depois o autor – um poeta dos mais importantes no nosso país, reconhecido internacionalmente – e, finalmente, numa breve leitura ao seu conteúdo, constatei que a narrativa de Nuno Júdice reflectia a sua angústia pela situação que se vivia então no nosso país. E eu partilhava as mesmas interrogações.

A leitura do livro foi feita de uma só vez e nele encontrei vivências que me eram próximas. Era linguagem de quem viveu lutas anteriores e com quem me identificava. Transmiti isso mesmo ao autor. Até parecia que eu fazia parte daquele mundo...
A concordância de Nuno Júdice nesta adaptação, as sua opiniões, as correcções, os seus incentivos, a sua visão de quais os caminhos que o livro poderia percorrer, levaram-me a acreditar ser possível e importante terminar o projecto. Comecei a imaginar o desenrolar da acção, vinheta a vinheta, imaginei cenários e planos, e o respeito sagrado pelos diálogos muitas vezes demasiado compridos para uma normal página de BD mas impossíveis de alterar ou suprimir.


T: Como foi a experiência de produzir uma novela gráfica, após criares apenas BDs curtas?
MA:
Parece algo difícil mas para mim foi fácil, talvez pela minha identificação com o tema. E assim foi, prancha a prancha, até ao desfecho final. Uma novela gráfica no meio de BDs curtas… Não foi uma opção deliberada foi antes a consequência de algo que me surgiu e que comigo se identificava profundamente, e que entendi que poderia dar o caminho de novela gráfica e com isso a possibilidade de chegar a outros leitores, quiçá mais novos, a quem a mensagem contida seria importante para uma maior consciência do que os rodeia em termos históricos e políticos.

E vou-me repetir: foi para mim muito importante sentir-me personagem daquela narrativa. Tudo o resto fluiu naturalmente.


T: Quais são os teus planos para a publicação da obra?

MA:
Na minha perspectiva, seria uma pena que o projecto ficasse na gaveta, mas também reconheço que para a sua edição as exigências serão muitas e eu talvez não tenha atingido esses patamares. Mas aqui, o apoio da Susana Resende e do Daniel Maia têm sido inexcedível. Eles têm contribuído activamente para que o projecto venha a ter a sua publicação. Não sei como lhes agradecer.
Será possivelmente uma auto-edição. O meu desconhecimento do trabalho com a tecnologia digital é um obstáculo à qualidade do mesmo e aqui os colegas do colectivo Tágide serão o segredo que me ajudará a ultrapassar estes escolhos. Durante o 2º semestre e possivelmente aproveitando os festivais de BD que se venham a realizar, o livro irá ser apresentado. Aguardo ansiosamente por essa data!


T: Pretendes continuar a desenvolver obras no formato de novela gráfica ou vais regressar às bandas desenhadas curtas?
MA:
Em relação ao futuro e após a aquisição das ferramentas digitais, estou a iniciar um novo ciclo, muito atrasado mas julgo que ainda a tempo. Uma nova novela gráfica está já terminada e será novamente uma adaptação de uma obra portuguesa de relevo, desta vez por Fernando Pessoa, cuja bibliografia considero ser pouco explorada no mercado de BD. Será a minha primeira tentativa do uso das ferramentas digitais para completar o projecto. Neste caso, vou contando com a preciosa ajuda
do autor João Raz e da autora Patrícia Costa, para me ajudarem a ultrapassar as barreiras tecnológicas.
Futuramente. vale tudo. Fanzines, BDs curtas, esboços, novelas gráfica, exposições etc… basta um clic! Agora, o tempo dá para tudo, só que tem de ser com alguma rapidez pois ele não é eterno.
Sinceramente espero que tudo isto tenha um final feliz. Ficarei eternamente agradecido a todos os que me ajudam nesta aventura em que um velho de 64 anos se meteu. Obrigado a todos!


A Implosão!, de Mário André, baseado no livro de Nuno Júdice, será apresentado no 16º Festival Internacional de BD de Beja '2021.

2021-05-27

Exposição A BD Portuguesa é Super! no CPBD

Depois de integrar o 10º Brussels Comic Strip Festival, em 2019, e de transitar para a Bedeteca de Beja, no final do mesmo ano, a exposição colectiva “A BD Portuguesa é Super! - Super-heróis, ficção científica e mundos pós-apocalípticos...” estará agora patente na galeria do Clube Português de Banda Desenhada, na Amadora (antiga sede do CNBDI), retomando assim as actividades culturais nesta área, na “capítal da BD” portuguesa. Junto aos autores André Lima Araújo, Daniel Henriques, Eliseu Gouveia, Filipe Andrade, João Lemos, Jorge Coelho, Miguel Mendonça, Miguel Montenegro, Nuno Plati, Ricardo Tércio e Ricardo Venâncio, o autor montijense Daniel Maia apresenta duas pranchas das obras O Infante Portugal (2017) e Co.Br.A. (por editar em 2021), escritas, respectivamente, por José de Matos-Cruz e Marco Calhorda.
A exposição é inaugurada dia 29, Sábado, às 16h00, e dura até 14 de Agosto. As entradas são limitadas a 4 pessoas, de acordo com as normas da DGS (até indicação do contrário), e são possíveis entre as 16h-19h de sábados.

Estará igualmente patente a exposição retrospectiva “José Ruy e os Quadrinhos”, deste mestre da cidade Amadora.

Morada: Avenida do Brasil n52, Amadora.

2021-05-15

Tágide: Heróis Portugueses XXIV

Chegamos a Maio com mais um trio de heróis nacionais, que levam a iniciativa Heróis Portugueses a 90 personagens de BD celebrados!


Começamos pela BoneCrush, de Selma Pimentel (ilustrada por Filipa Lopes). Uma das raras personagens de influência manga da BD portuguesa, a BoneCrush foi desenvolvida pela autora para diversas ilustrações de portfólio e estreada em BD no fanzine
All-Girlz Banzai!, em 2009. A personagem regressou em 2012 na antologia Zona Nippon 2 e foi planeada uma terceira BD, no BDjornal, em 2014, antes do seu cancelamento. Quanto ao Xatoman, de Álvaro Santos (ilustrado por Patrícia Costa), foi criado em 2001 para a rubrica "Heróis do ano 3000" do fanzine Tertúlia BDzine, nos #42 e 50. Xatoman – "o super-herói mais chato que a própria sombra" – saltou depois para o BDjornal #7, em 2005, para nova BD curta, também mantendo desde cedo presença online num website próprio, com vários conteúdos originais.
Por último recordamos Medusa 31, de Eliseu 'Zeu' Gouveia (ilustrada por Daniel Maia). O álbum de estreia do autor, em 1996, Medusa 31 – Nec Pluribus Impar, teve sequela em 1998 com Cidade Situada, porém inédita devido à separação dos sócios da editora, Pedranocharco. O vol.2 foi considerado para publicação noutra editora em 2002, mas inviabilizado pelo extravio de páginas do vol.1; a obra esteve acessível online temporariamente no website DeviantArt.
 

2021-05-11

Sérgio Santos escreve para ACBD

O projecto ACBD, promovido pela Associação Tentáculo e coordenado por Marco Fraga Silva, que desafia diversos autores a produzir uma interpretação sua do argumento de página auto-conclusiva, disponibilizado para todos os participantes, contou em Março/Abril com o argumento de Sérgio Santos. O objectivo da iniciativa, para além de estimular a criatividade na comunidade de banda desenhada, é também demonstrar como as visões criativas divergem entre autores e como o poder transformativo das conceptualizações de cada qual podem conduzir a obras diferentes.

O texto, "Ignóbil Patife," de cariz interventivo e surreal, teve oito interpretações gráficas, pelos autores Antonella Antonioni, Beatriz Soares, Bruno Maio, Diogo David, Filipe Duarte, Nietzche Pop e Mário André. É deste último, colega co-fundador do Tágide, de quem partilhamos a prancha de BD...


2021-05-09

Daniel Maia e Susana Resende ilustram Conan

Será já na próxima semana que a editora Saída de Emergência lança a antologia de Robert E. Howard, Os Contos mais Épicos de Conan. O livro, que foi adiado da edição em 2020, vai finalmente estar disponível em livrarias, reunindo muitos dos mais populares contos curtos e novelas do popular bárbaro Cimério, contando com ilustrações por 23 autores portugueses. Entre estes constam Susana Resende, que ilustra “Bandidos na Casa,” e Daniel Maia, que ilustra “Pregos Vermelhos”, o último conto escrito de Conan e o único publicado postumamente.

O lançamento da antologia terá lugar no auditório da Fnac Chiado, onde estará patente uma pequena mostra com os trabalhos gráficos, durante Junho e Julho. Uma digressão desta exposição está também a ser equacionada para outras lojas da Fnac distribuídas pelo país, incluindo Porto, Coimbra e Algarve.

2021-05-05

Dia Internacional do Livro 2021

No passado dia 23, a Biblioteca Municipal de Alpiarça voltou a convidar os autores Daniel Maia e Patrícia Costa para se juntarem ao autor local Mário André, para juntos celebrar o Dia Internacional do Livro. Através de um breve colóquio online, os artistas reflectiram sobre as suas edições recentes em BD e sobre o actual estado do sector editorial, no mundo pós-pandémico. Aqui ficam fotos do encontro...

2021-05-02

Daniel Maia revela Co.Br.A.

O autor Daniel Maia revelou em Dezembro o seu próximo álbum de banda desenhada, Co.Br.A. – Operação Goa. A obra, escrita por Marco Calhorda, é baseada em factos verídicos da História nacional e relata as manobras de espionagem realizadas por uma agência secreta para assegurar a libertação dos prisioneiros de guerra portugueses nas mãos do exército Indiano, após a tomada de Goa, no começo da década de 60.


O novo álbum é o 1º volume de uma nova colecção e foi originalmente antevisto em exposição no 10º Brussels Comic Strip Festival e no 31º Amadora BD, estando previsto o lançamento no final do verão. Entretanto, o 2º volume será publicado em 2022.


Aqui ficam algumas amostras que têm sido partilhadas online. Podem seguir mais informação sobre o projecto em CobraOp.