2022-02-10

A Implosão: Novas críticas

A novela gráfica A Implosão, por Mário André, está tecnicamente esgotada. Os coleccionadores mais exigentes ainda podem adquirir os dois ou três exemplares existentes, antes do autor/editor reeditar o álbum, que irá em breve iniciar nova ronda de circuitos promocionais, tendo já sido realizados convites para novas apresentações durante os próximos meses.
Entretanto, após a excelente apreciação por Penim Loureiro, a edição obteve duas novas críticas, no blogue Vinheta2020 e Leituras do Pedro, que reproduzimos parcialmente. Para ler as críticas na integra, visitar os links.

 

De Hugo Pinto (Vinheta2020):
O autor português Mário André publicou recentemente, e de forma independente, a sua obra A Implosão. Esta é a adaptação para novela gráfica do romance de Nuno Júdice, com o mesmo título, que foi publicado em 2013, numa reação às políticas de austeridade que o governo de Passos Coelho infligiu aos portugueses, na altura do resgate financeiro pelas mãos da Troika.

Nesta obra acompanhamos o diálogo de dois amigos que há muito não se viam e que se encontram após a célebre manifestação de 15 de Setembro de 2012. A partir daí, começam, entre si, uma grande conversa que, basicamente, dura o livro todo, sobre os ideais políticos do momento presente e do passado do Estado Novo, numa constante e persistente analogia entre uma e outra realidade. O discurso é todo ele feito de forma metafórica e abstrata, mas em que é clara a sugestão de um levantamento dos ideais e luta pelos direitos de outrora.
As personagens dirigem-se, depois, a uma velha igreja para velar uma mulher(?) onde, continuando a falar do passado e do presente, recordam o tempo de suspeita geral, sobre tudo e sobre todos, que pairava no ar, durante o tempo do Estado Novo, em que emitir uma opinião contrastante poderia causar dissabores a muita gente.


O livro aparece sobrecarregado de texto, o que dificulta a leitura. Especialmente porque o tema, sendo de foro político e, ainda por cima, recorrendo a metáforas e analogias para apresentar ideais, deveria ter sido dado ao leitor de forma mais simples e escorreita. Com menos texto e, já agora, com menos páginas. Isto porque me pareceu que o livro esgota a sua mensagem ainda antes de chegar ao meio da obra. O que faz com que, a partir daí, seja mais difícil concluir a leitura.
O desenho que Mário André nos oferece apresenta várias fraquezas ao nível técnico. Nomeadamente, em termos de expressões faciais, de fisionomia das personagens, de linguagem corporal das mesmas e de perspetiva dos objetos. Os cenários também são bastante vazios. Existem alguns bons momentos, mas acho que, no todo, o desenho assume um estilo de traço infantil que não o é por opção, mas sim por ser a forma como o autor se consegue exprimir visualmente. E não há nada de mal nisso, convenhamos. Nota positiva para o bem conseguido aspeto da personagem de óculos e bigode, que acaba por ser a mais cativante e impactante do livro.


Sendo uma obra com um texto algo difícil e denso, e que assenta num enorme diálogo, há que dizer que não é, de todo, uma obra fácil para adaptar para banda desenhada. E, nesse sentido, há, pois, que reconhecer mérito à forma como o autor tenta planificar, da forma mais dinâmica que lhe é possível, uma obra tão difícil e que está sempre à volta do mesmo tipo de diálogo, com as mesmas personagens e que decorre no mesmo local. Como se fosse uma peça de teatro.
Assim sendo, tentando não cansar o leitor, Mário André procura sempre que cada página seja diferente da anterior. Através da mudança de planos e perspetivas, e do reajuste e mudança no tipo e tamanhos de vinhetas. E esse será, quanto a mim, o maior mérito que o autor e os leitores da obra poderão retirar da obra.

Em termos de edição, sendo de autor, pode-se dizer que o livro, com capa mole brilhante, tem um aspeto e uma qualidade de encadernação bastante aceitáveis. Nota positiva para os extras que incluem um prefácio do próprio autor da obra original, Nuno Júdice, bem como um texto final de Mário André e algumas ilustrações adicionais.

Em suma, e sendo sincero, tenho que dizer que a leitura desta obra se tornou algo penosa pela enorme quantidade de texto que nos arrasta para uma sensação de marasmo ideológico e uma forte redundância. Estou certo que a mesma história poderia ter sido (mais que) bem contada com metade das páginas do livro. No entanto, e sendo um trabalho de um autor que, por fruto da sua paixão pela banda desenhada, tem vindo a dedicar-se à mesma, enquanto criador, apenas a partir do ano 2015, deve ser encarado como uma boa iniciativa e uma obra pertinente de afirmação para que, futuramente, nos possa dar mais e melhores livros de banda desenhada.”


De
Pedro Cleto (Leituras do Pedro):
Numa adaptação, manter o espírito da obra - a sua essência, as suas ideias fortes - é fundamental. Se o autor da obra original - que eu desconheço - o (/se) reconhece na banda desenhada que dela se originou, penso que está tudo dito. No entanto, fazê-lo a partir do uso (e abuso) dos textos originais - como me parece que acontece aqui, já é menos positivo, e o simples folhear da obra permite ver demasiado texto em muitas das pranchas, o que obviamente dificulta a sua leitura e prejudica o seu ritmo narrativo.


Apesar disso - contrariando-o, até - é preciso reconhecer o maior mérito de Mário André: a planificação variada e dinâmica que conseguiu imprimir a uma obra que maioritariamente assenta num diálogo denso e pesado entre duas personagens - por vezes quase dois monólogos paralelos - sem qualquer acção. A mudança de planos, a variação das tomadas de ponto de vista, uma ou outra fuga à planificação mais tradicional adoptada, ajudam a leitura e o acompanhamento de um texto que, de si, já não é fácil. E contribuem um pouco para atenuar as evidentes limitações gráficas, ao nível dos rostos da construção da figura humana e dos parcos cenários que o autor arriscou mostrar.”


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